POR QUE VIR A SER DISLÉXICO 1?

Evaldo José Bizachi Rodrigues

Uma criança só pode ser considerada alfabetizada quando consegue fazer a transposição de sons para as letras (escrever) e de letras para sons (ler) de maneira automática, ou seja, sem necessidade de tomar consciência dos mecanismos a serviço dessas transposições. Isso significa que a leitura se dá em velocidade suficiente para que haja compreensão do que está “por trás” das letras, enquanto a escrita acontece em função das ideias que se procuram explicitar.

A aquisição desses processos ocorre em duas etapas. Na primeira, há a descoberta de que cada letra corresponde a um som e que cada som corresponde a uma letra (no português, em muitos casos, o som pode corresponder a mais de uma letra e, em certas línguas, a um conjunto de letras). Na segunda etapa, ocorre a automatização desse processo, o que significa que as transposições mencionadas devem acontecer sem necessidade de atividade consciente, portanto, sem a utilização de manobras de apoio, como a articulação dos sons de maneira isolada, para a “descoberta” dessas correspondências.

De todas as formas de comunicação, a leitura e a escrita são as mais sofisticadas e as que mais tardiamente podem ser viabilizadas. Isso porque são as que mais exigem das complexas funções envolvidas no processo de comunicação, que se desenvolvem desde o nascimento. As mesmas funções que permitem o desenvolvimento da comunicação oral vão se constituir em um dos componentes fundamentais para a aquisição e automatização da leitura e da escrita, depois de alguns anos de sua boa consolidação.

O outro “pilar mestre” da alfabetização é o completo desenvolvimento do esquema corporal e das habilidades motoras, que estão a serviço da também complicada atividade de domínio do espaço, do tempo e do movimento, amadurecendo e se aprimorando de forma concomitante com as habilidades que permitem a boa comunicação oral. Estas conquistas, a serviço da motricidade e da fala, simultaneamente levam ao surgimento do “conceito” de tempo, que torna possível o desenvolvimento da capacidade de abstração, base da lógica do pensamento, que é o outro “pilar mestre” desse tripé que viabiliza a alfabetização: boa comunicação oral x bom domínio do espaço e do tempo = capacidade de abstração favorecida ( organização do espaço interno).

Independente do motivo, qualquer falha que comprometa o desenvolvimento de uma dessas capacitações coloca em risco a aquisição e a automatização dos mecanismos de leitura e escrita, levando a criança a ser rotulada de disléxica. Desse modo, a alfabetização só deveria ser desencadeada depois de certificada a integridade das funções básicas que a viabilizem. Quando há falhas, e estas não são adequadamente identificadas e tratadas, inúmeras crianças com bom potencial são levadas ao insucesso escolar.

O problema mais frequente está na dificuldade em automatizar os mecanismos de leitura e escrita, o que torna essas práticas um verdadeiro martírio quando se tenta realizá-las como seria esperado. Por falta de sorte dessas crianças, o desempenho oscilante, gerado por essa falha de automatização que conduz ao mau rendimento, costuma ser interpretado como falta de interesse, como se essas crianças não tivessem preocupação com o fracasso escolar. Isso leva a uma sobrecarga extra para ler e escrever, na luta inglória contra o mau resultado, o que gera o desenvolvimento de mecanismos de defesa e de fuga. Mentem, assumem atitude cínica diante de ameaças de castigo e da chantagem de prêmios, além  de manifestações somáticas como cefaleia, mal-estar gástrico (dor de barriga, vômito).

Das especialidades médicas, a medicina foniátrica é a alternativa mais adequada para atender a essas dificuldades que colocam em risco o desempenho escolar. Contribui de maneira significativa para orientar e criar condição mais favorável para a atuação de outras áreas* para sua resolução mais rápida e eficiente.

*(Terapia Ocupacional e/ou Fonoaudiologia e/ou Psicopedagogia e/ouPsicologia)


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Dr. Evaldo J. B. Rodrigues. CRM - SP- 12114. Todos os direitos reservados.