DISLEXIA

                                                     Evaldo José Bizachi Rodrigues

A convivência com a criança que tem mau rendimento escolar é muito sofrida. Os próprios pais têm dificuldade de entender por que, embora inteligente e esperto, o filho possa ser tão oscilante em seu desempenho com a leitura e a escrita. São levados a acreditar que só a má vontade e a falta de interesse podem justificar a letra feia e irregular, difícil de ser decifrada. A leitura é uma lástima. É capaz de passar horas jogando videogame, mas alega cansaço quando tem de ler ou preparar alguma tarefa escolar. Costuma deixar para a última hora, faz tudo correndo. A interpretação de textos fica reduzida a duas ou três linhas, feitas com a aflição de quem não pode perder um minuto para brincar. Os pais resolvem apelar. Dizem que se vier mais uma reclamação da escola o castigo será para valer. Ameaçam não realizar o prometido passeio e não dar o presente que ele tanto quer. Mas as ameaças não funcionam. Ajudar a fazer as lições ou estudar para as provas os tira do sério. E não dá para não perder a paciência quando vão conferir a prova e lá está a péssima nota. “Mentiu” dizendo que foi bem. A impressão que se tem é que o assunto estudado ontem, teve que dar lugar para o que foi estudado hoje. Até para fazer contas, em que sempre teve facilidade, está ficando complicado. Parece que tem preguiça de ler a questão. É uma criança desligada, não presta atenção. De tanto levar broncas, relaxa de vez. Nem mais copia as tarefas de casa e, com isso, fica na dependência de ter de se socorrer com os colegas. Os pais pressionam e alertam que, sem escola, não dá para que um dia venha a “ser alguém” na vida. De início se assusta, melhora o desempenho por alguns dias, depois volta à “estaca zero”. A situação acaba ficando traumática quando o assunto escola passa a ser tema preferido das reuniões de família. Mas, se é vexatório para os pais, para a criança é ainda pior. Fica inferiorizado e na defensiva com as inevitáveis comparações.

Este artigo tem por objetivo apresentar alguns esclarecimentos, a fim de evitar que casos similares ao que foi contado se repitam. Trata-se do exemplo de uma criança que apresenta dislexia.

Dislexia é a palavra utilizada para definir um tipo de distúrbio de leitura e escrita que ocorre em crianças consideradas “normais”. É caracterizada, na escrita, pelas trocas e omissões de letras, que são mal distribuídas no espaço e de tamanho irregular; são com frequência muito calcadas e pioram com o decorrer da atividade gráfica.

A leitura tende a ser truncada, hesitante e com trocas de palavras, o que redunda em comprometimento importante no entendimento do texto. Ler e escrever nessas condições passam a ser sinônimo de martírio.

A criança rotulada como disléxica tem falhas nos mecanismos envolvidos na transposição dos sons para as letras (escrita) e das letras para os sons (leitura). Essas falhas só se manifestam, e de maneira contundente, após os 7 anos, em idade escolar. Portanto, até que uma criança possa receber esse rótulo há um longo período de desenvolvimento a ser vencido. Desde o seu início, existem sinais que apontam para a dislexia, mas que infelizmente nem sempre são valorizados pelos pais e nem pelos profissionais que trabalham com a infância.

Alguns desses sinais: o atraso no surgimento da fala e a troca ou omissão sistemática de sons; a desorganização na elaboração de relatos; a desatenção e o desligamento; a maneira desorganizada da criança interagir, aliada à inquietude e ao jeito estabanado (TDAH); a dificuldade com palavras que envolvam conceitos de tempo/espaço (depois, ontem, dentro, dias da semana, meses etc.), além do hábito de evitar atividades físicas e o cansaço fácil. Entretanto, mais importante que a presença de qualquer desses sinais, é o fato de serem encontrados.

Significa que as funções básicas que garantem o surgimento e o aperfeiçoamento da fala, da linguagem, do esquema corporal, da organização interior do espaço, do tempo de atenção, da lógica de pensamento e da capacidade de abstração apresentam, de maneira isolada ou em associação, falhas que tornarão inviáveis, anos mais tarde, a aquisição e a automatização da leitura e da escrita, que são competências que exigem  dessas funções básicas  excelência no seu desempenho.

Meu objetivo, pois, é alertar pais e profissionais que trabalham com a infância a respeito desses aspectos e para a importância do diagnóstico precoce. Minha proposta é popularizar as informações sobre os avanços da medicina foniátrica no diagnóstico e no tratamento, com sucesso, dessas distorções funcionais que colocam crianças inteligentes e com bom potencial em verdadeiros “becos sem saída”.  Além de boas escolas, com boas propostas pedagógicas, a criança necessita de condições orgânicas e funcionais para adquirir e automatizar a leitura e a escrita, que são a mais sofisticada das formas de comunicação humana. A dislexia não congênita pode ser evitada e, quando já instalada, pode vir a ser tratada com bons resultados.


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Dr. Evaldo J. B. Rodrigues. CRM - SP- 12114. Todos os direitos reservados.