FALHAS NOS PRÉ- REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA , DA LINGUAGEM
(SINAIS CLÍNICOS DE DISTÚRBIOS DA COMUNICAÇÃO)

Dr. Evaldo J.B. Rodrigues

São vários os sinais clínicos que apontam o comprometimento das condições que garantem o desenvolvimento da linguagem e a aquisição e automatização da leitura e da escrita (alfabetização), que se manifestam desde o nascimento.
(em *Leitura e Escrita*vide Pré-requisitos para Aquisição da Linguagem e da Leitura e Escrita).

INQUIETUDE (TDAH)

A falta de referência espacial, que na espécie humana é uma função abstrata e que depende da estruturação do espaço interno, onde ocontece o jogo das relações causa/efeito, leva a criança a apresentar várias manifestações desse desajuste. A irrequietude é uma das mais freqüentes, porque não existe a possibilidade dela chegar à sensação de conforto pelo adequado enquadramento do espaço externo onde irá atuar Tem-se a impressão que a criança está sempre a procura de alguma coisa indefinida. Não se aquieta, é mexelona. O tempo de atenção é curto. É incapaz de se concentrar numa atividade.
A causa mais frequente dessa falha, entre outras, em crianças inteligentes e com exame neurológico normal, é a hipotonia (flacidez muscular) e/ou frouxidão de ligamentos, que prejudica a exploração do ambiente que a cerca através de movimentos adequados para que, através deles, ocorra a definição e organização do “espaço interno” (vide Hipotonia em síndrome EvalDO).

DESAJEITADO/ESTABANADO

Outro sinal que chama a atenção é a falha na modulação da força e da direção dos movimentos, que no contexto de hipotonia e/ou frouxidão de ligamentos, são programadas e definidas num “espaço interno” mal estruturado. Isso se manifesta pela forma estabanada e desajeitada da criança atuar. Derruba, esbarra nas coisas, ocupa muito espaço. Tende a evitar e a apresentar dificuldade, ou inabilidade, para atividades físicas (andar de bicicleta, jogar bola e etc.). A corrida é desengonçada, com quedas freqüentes, cansaço fácil. É freqüente o relato de enurese noturna (xixi na cama), e/ou, de escape de urina quando a criança ri com muita intensidade ou faz muita força. As vezes há escape de fezes, num contexto de prisão de ventre.

POBREZA DE CONCEITOS E DE VOCABULÁRIO

Mais importante que os sinais acima citados, decorrentes do comprometimento da estruturação do “espaço interno”, são as falhas que se manifestam pela falta de sintonia fina da sua “organização”. Isso compromete a definição de conceitos, que são “vestidos” pelas palavras que traduzem a noção de tempo (abstração). Assim, ao lado da pobreza de conceitos e vocabulário( antes, amanhã, espera a sua vez, dias da semana, horas e etc.), a noção de perigo, que consiste em utilizar-se de uma informação, ou experiência anterior, para antecipar uma resposta que define a providência para evitar algum dano, fica comprometida. A intensidade desse comprometimento (grosseiro ou sutil) varia de acordo com a proporção da falta de qualidade da linguagem que rege a “conversa interior” que acontece no “espaço interno”. O mesmo ocorre com a definição de juízo de valor, que determina a capacidade de escolher e de se relacionar com pessoas, objetos e locais, assim como de demonstrar interesse, de fazer julgamentos e comentários.

INOCENTE, “SEM MALÍCIA”

A maneira prejudicada como a criança funciona em relação a diversos aspectos é muitas vezes utilizado como critério para defini-la, além de hiperativa, como imatura. Isto é, considerando a idade, o nível sócio cultural, o grau de experiência e oportunidade, a criança funciona , em determinado contexto, de maneira aquém do esperado, quando comparada com outras crianças nas mesmas condições.

DESATENÇÃO, DESLIGAMENTO

São freqüentes nesses casos, prejudicando o processo de carrear os estímulos (informações) do ambiente, que, por sua vez, ficam mal alocados e mal organizados nesse “espaço interno” mal definido e mal organizado.


DESORGANIZAÇÃO E DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO

O arranjo mal feito das informações que vem do ambiente levam á desorganização que acontece não só na maneira como a criança faz relatos orais, mas também no seu jeito de gerenciar seus pertences e na sua atuação.

ATRASO E DESVIO DA FALA

É freqüente a ocorrência de atraso e/ou desvio articulatório (fala), que além de prejudicar a exteriorização da linguagem oral, também compromete a aquisição e a automatização dos mecanismos de leitura e escrita, porque as estruturas envolvidas na produção da fala são funcionalmente muito mais exigidas nesses processos, assim como para o desenvolvimento da atenção arbitrária (vide *Distúrbios da Comunicação*).

COMPROMETIMENTO DA LEITURA E DA ESCRITA

MUITO IMPORTANTE

Os sinais acima descritos, isolados ou associados, e que se manifestam precocemente, estão estreitamente vinculados às complexas estruturas que garantem a comunicação em todas as suas formas, leitura e escrita inclusive
Entretanto, para que se possa suspeitar da existência de comprometimento dos pré -requisitos para a aquisição da linguagem e da leitura e escrita (distúrbio da comunicação) é necessário, e fundamental, que o padrão de comunicação e/ou da maneira de interagir (comportamento) da criança em questão estejam defasados das demais, quando se considera a idade, o nível sócio – cultural e o grau de experiência e de oportunidades.

Detalhe importante: não basta procurar providenciar tratamento para cada um desses sinais, assim como, por exemplo, não basta prescrever anti- térmico para quem tem febre sem combater a sua causa. Ou seja, é inútil tratar a boca da criança, porque fala errado, gagueja ou suas histórias são mal contadas. É perda de tempo insistir que a criança transcreva ditado e cópia, porque troca letras. É inútil fazer jogo de “prêmio e castigo,” porque lê mal, ou porque não se interessa pelas atividades escolares. Nem sempre é solução só medicar com calmantes, porque é agitada. Essas tentativas sem o resultado esperado levam a criança a uma peregrinação a consultórios de vários especialistas.
Em que pese a resposta correta e honesta que possam dar, ela fica restrita aos limites de cada especialidade, sem que a família ( e a própria criança) sinta o conforto de uma situação equacionada. Não raro, a evolução não satisfatória torna os quadros clínicos de distúrbios da comunicação ( em particular de leitura e escrita) cada vez mais complicados podendo ser confundidos com “bloqueio emocional”.
O desalento, o cansaço e o descrédito nas intervenções com esse viés geralmente levam os pais, sempre com boa intenção, a partirem para a chantagem emocional com a criança, ao lado de pressões descabidas, igualmente desastrosas, porque tendem a levá-la à alienação e ao desajustamento.
Os distúrbios da comunicação são melhor considerados dentro do âmbito da medicina foniátrica, que avalia, acompanha e muitas vezes interfere no desenvolvimento da comunicação em todas as suas formas e etapas, assim como na dinâmica que envolve esses quadros clínicos. Essa é a sua área específica de atuação que contribui para a resolução mais rápida e eficiente desses distúrbios, porque facilita o resultado do trabalho de profissionais de outras áreas, com freqüência envolvidos nesse processo: fonoaudiólogos, pedagogos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros. A procura dessa ajuda deve-se dar no momento em que os padrões de comunicação, em todas as suas formas, e de comportamento e/ou interação da criança, através dos sinais mencionados, chamem a atenção pela sua inadequação e, de preferência, antes que evoluam para quadros mais complexos.


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Dr. Evaldo J. B. Rodrigues. CRM - SP- 12114. Todos os direitos reservados.