DIFICULDADE ESCOLAR

DIFICULDADE ESCOLAR

Evaldo José Bizachi Rodrigues

É muito sofrida a vida de crianças “normais” que têm dificuldade escolar. A grande maioria é inteligente e tem bom potencial. Em razão de pequenos desajustes funcionais, passíveis de serem identificados e tratados pela medicina foniátrica, o rendimento escolar fica muito abaixo do que se espera e desproporcional ao esforço despendido. O rendimento oscilante, com altos e baixos, sempre numa faixa crítica de desempenho, coloca essas crianças e as famílias num clima de “guerra” constante. Essa oscilação, que também ocorre em qualquer contexto clínico (oscilam a febre, a cólica, a crise asmática, a dor da angina, etc.), tem efeito perturbador, uma vez que pais e professores a atribuem à falta de empenho, à preguiça ou à irresponsabilidade. A providência é aumentar a cobrança, muitas vezes com “punição”.

Não sobra alternativa para essas crianças, a não ser desenvolverem mecanismos de defesa e de fuga em relação às atividades escolares. Estas vão se tornando cada vez mais odiosas, até pela frustração na “luta” contra o mau resultado (cópia, ditado, leitura) sem que se considerem suas causas. O mau humor, as atitudes de agressividade, de alheamento e de pouca disponibilidade para a socialização são frequentes, muitas vezes tão intensas que passam a ser consideradas como causas do mau desempenho escolar, e não como consequência da falta de condição para que as atividades propostas sejam cumpridas. Esse quadro acontece em razão do engano de se considerar a alfabetização uma aquisição atrelada à idade e a um bom projeto pedagógico, como se as crianças, qualquer que seja sua condição, pudessem adquirir e automatizar naturalmente os mecanismos de leitura e escrita porque é chegado o momento. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que já estejam desenvolvidos  vários pré-requisitos interdependentes.

 

  • É fundamental um mínimo de tempo de atenção seletiva, que é a capacidade de focar a atenção num estímulo menor (mais importante), na presença de outro maior e mais chamativo.
  • Que esteja organizado o “espaço interno” – que possibilita que sejam estabelecidas relações de causa/efeito – base da aquisição e da qualidade da noção de perigo, do entendimento das regras da casa e de um jogo, da capacidade de fazerem escolhas, de tomarem atitudes compatíveis com experiências já vivenciadas  (não se deixam enganar) e de saberem usar palavras que traduzem conceito de espaço/tempo (antes, depois, amanhã, embaixo, dias da semana, horas, cores , etc.).
  • Igualmente necessário é o bom desempenho da fala,o que significa que as estruturas responsáveis pela sua aquisição estão íntegras e, portanto, prontas para arcarem com uma exigência  muito maior, a serviço da passagem da letra para som na leitura e, ao contrário, no processo da escrita  (mixagem)*.
  • Ao lado dessas habilidades, que vão sendo adquiridas desde o nascimento, e em paralelo com o adequado estímulo do ambiente, acontece o desenvolvimento da lógica do Pensamento (linguagem e capacidade de abstração), que passa por várias etapas, até atingir certo nível mínimo de excelência, que também vai se tornar um dos componentes necessários para a aquisição e automatização da leitura e da escrita com compreensão(fisiologicamente aos 6 anos, a média de idade para mixagem* eficiente).

 

Atraso, falha ou distorção em qualquer das habilidades (pré-requisitos) mencionadas, que sempre se manifestam desde os primeiros anos de vida, inviabilizam a alfabetização. A identificação precoce e o tratamento foniátrico dessas inabilidades, com a orientação e correção metabólica necessárias, redundam na possibilidade de melhor resposta às intervenções fonoaudiológica, pedagógica, psicológica ou da terapia ocupacional, que se fizerem necessárias.  Evitam que muitas crianças inteligentes, com exame neurológico normal e com bom potencial, entrem no sofrido caminho do fracasso escolar. Por falta de sorte e de uma legislação estranha, muitas crianças são expostas à alfabetização sem a condição necessária e, em nome da idade e da vida competitiva, vão sendo empurradas para as séries seguintes até serem carimbadas de disléxicas (porque são desatentas e inquietas, trocam e invertem letras, usam mal o espaço gráfico, a leitura é truncada, sem ritmo e sem entendimento, têm dificuldade para se expressarem através da escrita).